O azulejo é um dos símbolos mais marcantes da cultura portuguesa, bem como um contributo singular para o património artístico mundial. Por cá, a azulejaria conta com mais de quinhentos anos de produção tendo tido herança árabe e sido exportada para outros territórios, principalmente o Brasil. Apesar de se produzir noutras regiões é aqui que encontramos tamanha profusão deste elemento decorativo, de uma riqueza estética inigualável, fazendo dele caso único no mundo e considerado pelo The New York Times como um dos doze tesouros europeus. Este revestimento cerâmico preenche espaços interiores – palácios, igrejas, mosteiros, residências reias, casas senhoriais – assim como a paisagem urbana, abrangendo temáticas de cenas religiosas, mitológicas ou históricas até ao “simples” padrão – geométrico ou floral – fazendo parte da vida quotidiana de cada um de nós.
“Entre paredes” transporta a narrativa, não dos motivos ancestrais mas da apropriação de azulejos padrão tradicionais de fachadas que se encontram em íntima articulação com o corpo feminino apresentado no interior da habitação. Tomando com pertinência a sua georreferenciação como forma de identidade da própria obra, a presença arquitetural desta pele exterior permite entrar e olhar para a espacialidade de um lugar imaginário ou real. Assim, esta malha cria um espaço translúcido tornando-nos voyeurs e dando permissão a observar o que está para lá. O ambiente arquitetónico aparentemente vazio entre paredes paralelas entreabertas evidencia recantos protetores do quotidiano íntimo feminino; uma quase solidão, um diálogo interior. Deste modo, “Entre paredes” representa-se entre a figura e o padrão, com autonomia de ambos, num território comum.
Estas paredes vidradas são uma das expressões mais representativas da fisionomia, história e identificação cultural portuguesa, em que qualquer viajante ou transeunte se depara constantemente com uma atmosfera de luz, cor, forma, textura e ritmo, quer em ambientes históricos quer em contemporâneos. Assim sendo, “Entre paredes” enraíza-nos no espaço íntimo, que por momentos adotamos como nosso, multiplicando-se as possibilidades narrativas e permitindo a entrada num universo que nos é familiar, restando-nos perpetuar esta grande tradição: de Portugal para o Mundo.
Lara Roseiro
Fevereiro 2017
ENTRE PAREDES
Casa de Cultura Jaime Lobo e Silva - Ericeira
Curadoria: Helder Alfaiate Galeria Arte
27 de Abril a 25 de Maio de 2019
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